OS SARCOFAGOS




ATAÚDE DE HOR A palavra sarcófago vem do grego sarkophágos e significa que come carne. Os termos caixão e sarcófago são utilizados muitas vezes, inclusive neste site, como se fossem sinônimos. Entretanto, o primeiro termo refere-se a uma caixa de madeira e o segundo a um recipiente de pedra, seja ela calcário, granito, basalto, etc., qualquer que seja a forma da peça. Havia sempre uma parte inferior coberta por uma tampa e os caixões eram muitas vezes colocados dentro de um sarcófago. Um terceiro tipo de material era a cartonagem. Para fabricar os caixões de madeira dava-se preferência ao cedro importado, o qual era muito mais adequado a esse tipo de trabalho. As árvores locais mais comuns eram as palmeiras, demasiadamete fibrosas e, portanto, inadequadas para a carpintaria. Também podia ser usado o sicômoro, um tipo de árvore disponível no Egito. De qualquer maneira, de madeira ou pedra, os ataúdes eram considerados simbolicamente como um tipo de casulo, com a pessoa morta abrigada em seu interior como uma criança que espera renascer no além-túmulo. Os enterros egípcios pré-dinásticos não usavam ataúdes e o uso deles tem relação com o mito de Osiris: o caixão que Seth preparou para o irmão pode ser considerado o primeiro ataúde. Ao lado vemos a parte interna de um caixão de madeira finamente decorado, o qual deve ser proveniente de Tebas e, provavelmente, data da XXII dinastia (c. 946 a 712 a.C.). A peça, na qual vem inscrito o nome de seu proprietário, Hor, tem o comprimento de um metro e 64 centímetros. Para ver o caixão como um todo, clique aqui, para ver um detalhe da parte externa da tampa, clique aqui e, finalmente, para ver a cabeceira do caixão, clique aqui.

Caixões e sarcófagos podiam ser retangulares ou antropomorfos, ou seja, com formato humano. Podia-se usar mais do que um ataúde, um dentro do outro, qualquer que fosse o seu tipo ou material, dependendo, é claro, das posses do falecido. Os caixões de forma humana apareceram no Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) como extensão natural de antigas máscaras que cobriam a parte superior da múmia. Entretanto, só se tornaram realmente comuns a partir da XVII dinastia (c. 1640 s 1550 a.C.), já no Segundo Período Intermediário. Característicos desta dinastia eram os caixões antropomorfos que foram denominados de rishi, palavra árabe que significa "pena", pois a superfície do corpo retratado, do ombro até os pés, estava enfeitada com um par de asas de abutre, representando as asas de Isis e Néftis, que protegiam a múmia. Eles mostram a cabeça do morto coberta com o nemes real, seja ele um faraó ou não. As máscaras, por sua vez, não foram abandonadas completamente, como demonstra o exemplo da sólida máscara de ouro de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.). O caixão antropomorfo normalmente mostrava o defunto na forma de mumia. Porém, no primeiro século a.C e particularmente entre os habitantes gregos do Egito, tornou-se popular mostrar o morto usando uma roupa do cotidiano. Como ocorria com as estátuas, os egípicos acreditavam que este tipo de ataúde proporcionaria um corpo substituto para o espírito no caso da múmia se deteriorar.

A decoração varia com a época. No Período Dinástico Primitivo (c. 2920 a 2575 a.C.) alguns caixões têm uma fachada de palácio, o que continuou sendo usado no Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.). Ainda nesse último período os ataúdes eram caixas retangulares com tampas planas. Eles eram pintados e inscritos com hieróglifos com quatro características importantes: o nome e títulos do defunto; uma lista de oferendas de alimentos; uma falsa porta pela qual o ka poderia passar; e olhos pelos quais o defunto poderia ver fora do ataúde. O corpo era colocado na caixa em tal posição que sua face ficasse alinhada diretamente com os olhos pintados no ataúde.

No Primeiro Período Intermediário (c. 2134 a 2040 a.C.) e no Império Médio o caixão retangular podia apresentar em seu interior textos inscritos e representações de vários elementos do equipamento funerário e uma lista de oferendas. Além de serem incluídos nas tumbas, mobílias, roupas, ferramentas, armas e jóias também eram desenhadas nos ataúdes como uma garantia extra de que tudo isso acompanharia o morto no além. Os egípcios acreditavam que essas representações, na falta dos itens verdadeiros, agiriam magicamente e supririam a ausência física dos objetos. Ainda representavam uma refeição funerária e uma falsa-porta que permitiria o ir e vir do ka do falecido. A lista de oferendas garantiria que a alimentação fosse provida eternamente. Afinal, a evolução das crenças funerárias estabelecia que, agora, qualquer um podia aspirar a alcançar o tipo de vida após a morte que anteriormente era privilégio do rei morto. As deusas Ìsis e Néftis eram pintadas como guardiãs na cabeceira e nos pés do ataúde. Por dentro o chão da caixa era pintado com representações de Nut, Ìsis, Osiris, ou com o pilar Djed, que simbolizava a coluna vertebral de Osiris. As laterais mostravam os quatro filhos de Hórus e outras deidades. Inscrições horizontais traziam o nome e títulos do falecido e, ainda, uma oração solicitando oferendas. Inscrições verticais eram orações às divindades em nome do defunto. O exterior do ataúde externo vinha enfeitado principalmente com textos hieroglíficos, nos quais os caracteres eram entalhados e preenchidos com pigmentos coloridos.

Furante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.), era possível adquirir ataúdes pré-fabricados que, uma vez comprados, poderiam ser completados com o nome e títulos do falecido nos espaços deixados em branco para isso nas inscrições. Caixões brancos com faixas imitando as das múmias eram comuns na XVIII dinastia (c. 1550 s 1307 a.C.). Posteriormente a essa fase a tendência foi um aumento da decoração que passou a apresentar cenas com várias divindades e textos.

Durante a XXV dinastia (c. 770 a 712 a.C.) uma nova forma de ataúde passou a substituir o caixãoSARCÓFAGO DE NITOCRIS antropomorfo mais externo, tornando-se retangular, com apoios altos em cada extremidade. Sobre eles se assentava a tampa em forma de abóbada que, assim, ficava suspensa e afastada do caixão, permitindo visualizar o ataúde antropomorfo em seu interior. A foto ao lado mostra um sarcófago de granito vermelho, proveniente de Tebas, no estilo típico da XXVI dinastia (664 a 525 a.C.). Nele a princesa Nitocris, filha do faraó Psamético I (664 a 610 a.C.), aparece deitada sobre a tampa de seu ataúde. Apesar disso, caixões e sarcófagos retangulares tornaram-se raros e apenas resurgiram, até certo ponto, no final do Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.). É surpreendente a perfeição do trabalho e o acabamento dos sarcófagos antropomorfos desse último período. Eram feitos de pedra negra e dura, geralmente basalto, mas também havia imitações em madeira. Nessa época, e ainda no Período Greco-Romano (332 a.C. a 395 d.C.), eram decorados e inscritos com textos e vinhetas religiosas englobando-se aí o Livro dos Mortos, os Textos das Pirâmides e os livros do mundo subterrâneo. A parte externa da tampa costumava trazer o capítulo 72 do Livro dos Mortos, no qual o defunto pede que os deuses lhe abram os caminhos para que possa chegar até eles. O morto diz:

(...) decretou-se que serei um espírito; livrai-me, portanto, do crocodilo [que vive] neste país de justiça e verdade. Dai-me a minha boca para que eu fale com ela, e fazei que minhas refeições sepulcrais sejam colocadas em minhas mãos na vossa presença (...) não alcance o Demônio domínio sobre mim, não seja eu mandado embora dos vossos portais, nem deixeis que vossas portas se fechem na minha cara, (...) apoderem-se minhas mãos do trigo e da cevada que me serão dados em fartura, (...). E concedei-me comidas sepulcrais, e incenso, e cera, e todas as coisas belas e puras das quais vive o deus, com efeito, para sempre (...).

Um dos temas recorrentes, surgido no final do Império Antigo e ainda usado 680 anos antes de Cristo, foi o do par de olhos wedjat situado na extremidade da tampa, sobre a cabeça do morto, ou na lateral da caixa que ficaria voltada para o leste. Eles permitiam ao defunto assistir o nascer do sol e olhar o mundo fora do caixão. Outro dos temas recorrentes, este surgido a partir do Império Novo, foi o da deusa Nut protegendo o morto com suas asas enfeitadas de penas. Essa divindade ainda aparece na forma humana no interior dos caixões do Período Romano (30 a.C. a 395 d.C.), mil anos depois. Ataúdes de Tebas do período entre 1000 e 900 a.C. eram altamente decorados com inúmeras pequenas cenas, tanto do lado de fora quanto de dentro. Isso, provavelmente, se deve às práticas funerárias da época, durante a qual muitos membros da família ou do sacerdócio eram colocados em um túmulo sem decoração. Os elementos decorativos que anteriormente eram pintados nas paredes das tumbas foram, então, incorporados aos ataúdes. Um tema comum para tais cenas era o do morto fazendo oferendas para várias divindades, como essa que vemos acima, do sarcófago do escriba Djedhoriufankh, copiado do Livro dos Mortos de Hunefer. Outro motivo era a ressurreição, simbolizada por escaravelhos e discos solares, ambos alados. Vários temas eram retirados dos papiros funerários da época, o que incluia a criação do mundo e o julgamento dos mortos. Clique aqui e aqui para ver outras cenas da decoração do ataúde de Djedhoriufankh.

Os peritos são capazes de reconhecer e datar um sarcófago como nós reconhecemos e datamos o modelo de um automóvel. Por isso eles podem diferenciar por seu estilo, facilmente, um ataúde da XVIII dinastia de outro da XIX dinastia, por exemplo. Entretanto, muitos ataúdes apresentam faixas de hieróglifos que podem conter uma data ou o nome de seu ocupante.

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