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DEUSA MAAT O senhor supremo da justiça era, naturalmente, o rei. Como garantidor de Maat, a deusa da verdade, que vemos ao lado num fragmento de relevo mural, ele deveria velar pela manutenção da harmonia universal e, portanto, pelo respeito à lei. Seu primeiro substituto nessa função era o vizir, juiz supremo que presidia também a suprema corte de justiça nas principais cidades do país. Havia ainda, cobrindo toda a extensão do país, numerosas jurisdições subalternas constituídas por dignatários locais e funcionários do Estado. Os templos também tinham suas próprias cortes judiciárias.

Cremos — escreveu o egiptólogo John A. Wilson — que osSETI OFERECE MAAT AOS DEUSES magistrados atuavam segundo costumes e práticas que lhes eram conhecidas localmente, consideradas como expressão da vontade régia e alteráveis por capricho do soberano. A única limitação a um governo tão rigidamente personalizado e centralizado era o conceito de maat, o que era reto e verdadeiro e em conformidade com a ordem divina; entretanto, tendo em vista que o próprio rei era um deus, era ele o intérprete terreno de maat e — pelo menos em teoria — só estava sujeito ao domínio de maat dentro dos limites da sua consciência, se é que um deus necessita ter consciência. Ao lado vemos o faraó Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.) oferecendo aos deuses uma estátua da deusa Maat, num gesto simbólico de sua obediência à verdade e justiça.

Conquanto não existissem leis impessoais que pudessem ser aplicadas por magistrados com independência da Coroa, não faltavam instruções de como proceder em vários casos. Na tumba de Rekhmiré, famoso vizir de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.), estão representados 40 rolos de papiro cuidadosamente arrumados em caixas postas diante do vizir encarregado de ministrar a justiça e esse conjunto fazia parte das instruções de serviço.

As penas atribuídas aos culpados nos diferentes processos, assim como fazemos hoje, variavam de acordo com a gravidade do delito. Podiam ir da aplicação de bastonadas, nos casos de roubos, pequenas fraudes, abuso de poder ou falsas acusações, até a pena de morte ou imposição de suicídio, por adultério contra a esposa, por sedição contra o rei, ou por pilhagem de túmulos. Entre os dois extremos incluiam-se penas tais como corte do nariz ou das orelhas, banimento para os oásis, confisco de bens e trabalhos forçados. O cárcere preventivo também era praticado e as confissões podiam ser obtidas mediante tortura.

Nos casos particularmente importantes nos quais estivesse em jogo o interesse imediato do Estado ou da Casa Real, podiam ser instaurados tribunais de exceção, predididos por uma ou mais pessoas de confiança escolhidas pelo rei. Tal procedimento foi adotado quando houve uma conspiração no harém de Pepi I (c. 2289 a 2255 a.C.), quando o mesmo ocorreu no reinado de Ramsés III (c. 1194 a 1163 a.C.) e ainda quando, no reinado de Ramsés IX (c. 1131 a 1112 a.C.), foram julgados alguns assaltantes de túmulos.

Podia ocorrer, de vez em quando, a "falsificação" de um documento real para justificar determinada situação. Foi o caso de um decreto fictício atribuído a Amenófis III (c. 1391 a 1353 a.C.) referente à capela de culto de seu arquiteto, Amenófis, filho de Hapu. Na realidade tal documento foi redigido na XXI dinastia (c. 1070 a 945 a.C.) pelos sacerdotes responsáveis pela manutenção do culto naquela capela, os quais buscavam impedir a dissolução de seus bens que se ameaçava. Outro caso foi o da assim chamada Estela da Fome, falsa inscrição da época de Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.) erigida na ilha de Sehel, na altura da primeira catarata do Nilo, datada de como se fosse da época do faraó Djoser (c. 2630 a 2611 a.C.) para sustentar os direitos egípcios sobre um território próximo daquele acidente geográfico.

Desde o Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) existiram policiais no Egito cuja função era a de manter a ordem e controlar os procedimentos administrativos como, por exemplo, o recolhimento dos impostos. Tratava-se de um grupo bem separado dos militares e cuidavam de aumentar a entrada dos tributos a bastonadas, além de perseguir escravos fujões e controlar o peso das mercadorias, como do pão, por exemplo. Essa força pública com seus bastões fazia parte da paisagem quotidiana egípcia como, hoje em dia, os nossos guardas fazem parte da nossa paisagem. A partir do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) a polícia passou a ser recrutada essencialmente entre os homens de origem núbia, os chamados Medjai. Essa palavra, indicativa de origem, passou então a designar o conjunto dos policiais, ainda que entre eles houvesse os de origem egípcia. Eram os Medjai que protegiam Deir el-Medina, a cidade dos artesãos e construtores de tumbas. No deserto, estacionados em postos estrategicamente distribuídos por todo o país, garantiam a segurança das fronteiras e das rotas do deserto. Tal função já fora exercida no Império Antigo e no Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) pelos caçadores do deserto equipados com cães. Eles protegiam as caravanas de ataques surpresa, procuravam criminosos em fuga e, às vezes, caçavam os animais do deserto para encher a despensa de seus superiores.